O Kimbanda é um herbalista (que pesquisa plantas curadoras) ou curandeiro espiritual em muitas sociedades africanas e também em muitas sociedades da diáspora africana, tais como aquelas no Haiti, Cuba e Brasil. Outro termo que designa o curandeiro da tribo é Nganga, que em determinado momento, em parte do território Banto, na África do Sul, acabou ganhando o significado totalmente ao contrário, como se o mesmo se tratasse de um “feiticeiro mal”, e não o seu termo original, que é tido como um benfeitor da tribo.
O Kimbanda é bastante familiarizado com muitas das causas físicas das doenças, e utiliza ervas e plantas da medicina popular em sua prática médica. O tratamento, porém, costuma ser sempre acompanhado de amuletos e fórmulas mágicas para controlar os espíritos maus. É uma crença comum a existência de feiticeiros, pessoas que tentam fazer o mal aos outros usando, por exemplo, magias maléficas. A tarefa do curandeiro é anular o feitiço empregando os mesmos métodos magísticos.
Os efeitos que o Kimbanda atribui aos medicamentos são devidos não somente às propriedades reais dos elementos naturais (plantas, por exemplo), mas também e sobretudo, à força simbólica desses mesmos elementos.
No Brasil, acredita-se, lamentavelmente, que a Kimbanda seja uma prática de magia negra. Com a utilização dos Exus e Pombagiras (Bombogiras; Kimbundo: Mpambu Nzila (ou Njila) – “Caminho que se entrecruza”) na execução de feitiços e trabalhos de natureza negativa. A essas entidades é atribuído o status de criaturas malévolas por excelência, sendo a Kimbanda o culto ou prática onde elas devem se manifestar.
Primeiramente, a Kimbanda não tem relação alguma com os demônios da Goécia, e ou da Cultura Judaíca/Cristã “Magia Negra” ou qualquer conceito semelhante, e nem se restringe ao trabalho com Exus e/ou Pombagiras. Essa visão também é equivocada! O panteão da Kimbanda inclui todos os seres que se manifestam na Umbanda e em outros cultos afro-brasileiros ou afro-ameríndios, como os Preto(a)s-Velho(a)s, Caboclos, entre outros.
Não é mais aceitável que a Kimbanda seja rotulada como um culto satânico de destruição e morte. Há inúmeros sites afirmando que Exu Ventania é o demônio ou Exu Tranca-Ruas. De fato muitos acreditam nisso! Para esclarecer: esses nomes sub denominados provêm do livro conhecido como Grande Grimório, escrito pelo Papa Honorius I ou Honorius III , resultado da imaginação demoníaca que os católicos medievais tinham sobre o mundo espiritual, que deveria ser povoado por demônios e seres malignos.
A Kimbanda, assim como outras tradições afro-brasileiras ou afro-ameríndias, possui um panteão exclusivo, que é bastante semelhante ao da Umbanda brasileira. É importante ressaltar que essa prática não tem qualquer conexão com o mal, anjos caídos ou demônios. O uso inadequado das palavras Kimbanda ou Quimbanda é resultado de um vasto mar de ignorância histórica que permeia nossos Terreiros de cultos afro-brasileiros. A má reputação da Kimbanda ou Quimbanda se origina de tragédias históricas, como a escravidão e a imposição do cristianismo católico nas terras Bantu. Esse entendimento chegou por meio da escravização, pois os que se negavam a se converter, de boa vontade, ao catolicismo eram feitos escravos. Apesar da resistência à conversão, antes de serem embarcados nos navios negreiros, os escravizados eram forçados a passar pelo batismo. “Em Angola, os escravos recebiam um nome cristão enquanto aguardavam o embarque nos barracões dos portos portugueses.” O batismo católico compulsório, realizado antes do embarque, não protegia os escravos da humilhação imposta pelos traficantes, que os viam como “seguidores do demônio.”
Ao chegarem ao Brasil, esses indivíduos escravizados mantiveram suas práticas religiosas, mesmo enfrentando diversas formas de perseguição. Para isso, utilizaram vários subterfúgios, como a sincretização de seu panteão com os santos católicos, algo que já ocorria na África e não apenas nas Américas. Além disso, houve a incorporação do valor de “ser do demônio” como uma estratégia de proteção. Ao se identificarem como adeptos da Kimbanda, geravam medo nos senhores feudais e em outros negros, que, temerosos, frequentemente se abstinham de agredi-los, conferindo-lhes um status superior.
“A Umbanda tem suas raízes em Angola, onde o termo [Umbanda] refere-se a ‘medicina tradicional’ ou ‘prática tradicional de cura’. O responsável por essa prática médica é conhecido como Kimbanda. No Brasil, esse conceito angolano foi reinterpretado, e a Umbanda passou a ser considerada uma religião que facilita o contato com o mundo transcendental, através da iniciação do médium.”
Além disso, a Umbanda é frequentemente usada como sinônimo do conceito brasileiro de magia branca (magia benéfica, magia de cura). A palavra Kimbanda, por sua vez, é adaptada no Brasil para Quimbanda, e seu significado original foi completamente alterado. Hoje, refere-se a uma força oposta à magia de cura, sendo identificada como magia negra.
A palavra Kimbanda, oriunda da língua Quimbundo, não pode ser confundida com feiticeiro, pois designa funções diferentes: “o curandeiro é o Kimbanda, o feiticeiro é o Muloji”.
É importante lembrar que, em 1894, Heli de Chatelain, em seu livro Folktales of Angola, registrou os termos Umbanda e Kimbanda, apresentando sua derivação gramatical e significado, tal como pode ser encontrado em qualquer dicionário Quimbundo. Assim, não há dúvida sobre sua origem. Isso contrasta com os muitos livros umbandistas que afirmam que o termo foi utilizado pela primeira vez no Brasil, durante o evento conhecido como a segunda manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Sabe-se que, no início da Umbanda, houve um esforço para encontrar um nome apropriado para aquele movimento. Inicialmente, pensou-se em utilizar o termo Embanda, uma corruptela clara de Imbanda, que é o plural de Kimbanda e será explicado ao longo deste artigo. Contudo, essa opção não soava bem. Outra proposta foi a de usar Alabanda, uma vez que, segundo alguns autores, um dos espíritos incorporados por Zélio de Moraes era um malaio muçulmano (conhecido como Orixá Malet), e, portanto, Alabanda poderia ser traduzido como “da banda de Alá”. Entretanto, a melhor escolha foi o uso do termo já grafado desde o século XVII e reconhecido entre os descendentes angolanos, ou seja, o termo Umbanda.
Etimologicamente, o substantivo KIMBANDA (que em Angola significa curandeiro ou médico ocultista) revela que, ao substituir o prefixo KI por U, forma-se um nome abstrato que designa uma arte ou ofício. Assim, UMBANDA representa a arte de curar e o ofício de ocultista.
BANDEIRA (p. 34) realiza uma análise concisa das obras consultadas, as quais foram referenciadas por este articulista para que o leitor possa expandir suas pesquisas. Ele afirma que Umbanda possui os seguintes significados:
Um termo da língua quimbundo, comum a diversas tribos e línguas africanas, especialmente entre os Umbundos.
Segundo o etnólogo Carlos Estermann, é amplamente utilizado entre os Nhaneka-Umbi e também é reconhecido pelos Cunhamas, embora com menor frequência em seus cultos.
Não se limita a Angola; encontra-se na Guiné nos cânticos de invocação espiritual.
Abrange significados semelhantes como: arte de curar e magia, de acordo com o Padre Domingos V. Balão e J. Cordeiro da Mata.
BATSTONE, por sua vez, oferece definições para o termo Umbanda:
“A palavra Umbanda origina-se do Kimbundo (uma das línguas faladas em Angola) e era utilizada para descrever objetos religiosos e o líder espiritual, também conhecido como Kimbanda. No Brasil, a partir dos anos 1930, a palavra passou a designar um novo sistema religioso que atraía a classe média, combinando elementos nativos brasileiros com influências africanas e europeias. Da cultura indígena, incorporou o herbalismo e a imagem heroica do Caboclo; dos africanos, absorveu rituais do Candomblé; e da Europa, o catolicismo popular e o espiritismo de Allan Kardec.”
O etnólogo e historiador Oscar Ribas define a Umbanda como a ciência de Quimbanda, referindo-se à origem do termo “Kubanda”. BANDEIRA sugere que Kubanda deriva do verbo “subir”, pois, segundo a concepção bantu, o espírito vem de baixo (da terra) para cima, ao contrário da crença espírita de que vem de cima para baixo.
BANDEIRA (p. 35) menciona a etnologista Ana de Sousa Santos, do Instituto de Investigação Científica de Angola, que realiza um estudo minucioso sobre o termo Kimbanda e sua conexão com Kubanda:
“Se na combinação de regras gramaticais se pode aceitar a articulação do prefixo e radical de ‘Kubanda’ para resultar em ‘KIMBANDA’, a relação desses vocábulos com Umbanda, conforme apresentado por Cavalcante Bandeira e em concordância com José L. Quintão, deve ser rejeitada. Portanto, o autor afirma corretamente: ‘Não podemos entender a modificação de sentido por falta de relação direta ou indireta da palavra ‘banda’, que na concepção atual não tem qualquer ligação com Quimbanda. De fato, o termo ‘quimbanda’ não se originou de ‘Kubanda’, que significa subir, mas, muito provavelmente, de ‘kubanda’ (com variações de pronúncia) que significa consertar ou remendar. Considerando que uma das funções do curandeiro é justamente curar os males físicos, é natural que essa seja sua origem, ou ainda de ‘Kubanda’, que significa prescrever, visto que receita, aconselha, prescreve, etc. Além disso, atribui-se ao verbo ‘kubanda’ o significado de desvendar, o que relaciona o ‘kimbanda’ à cura de enfermidades psíquicas, utilizando cerimônias de adivinhação. Assim, estabelece-se mais uma conexão entre ‘Kubanda’ e ‘Kimbanda’. Quanto a ‘kubanda’ (ou banda) com o sentido de subir, aparece na prática de ‘quimbanda’ e em atividades religiosas, especialmente durante as sessões dos ‘ilundu’ (espíritos), quando o médium entra em transe, mas apenas no contexto de incitação e aplauso. Em relação ao termo Umbanda, se este não pode rotular um culto africano, como bem observa Cavalcanti Bandeira, é possível aceitar que entre os bantos ele represente uma convergência de elementos culturais religiosos. Em Luanda, a Umbanda ainda mantém uma expressão característica como parte de um processo ritualista orientado por uma entidade – a mãe de Umbanda (Mamy ia umbanda) ou pai de Umbanda (Pai ia umbanda), dependendo do gênero. Atualmente, essa expressão pode ser traduzida como madrinha ou padrinho na sociedade.”
JAMES e BROADHEAD, na obra Historical Dictionary of Angola, definem Kimbanda como: “Adivinho que herdou ou adquiriu as habilidades necessárias para se comunicar com o mundo espiritual”. Acrescentam que “o Kimbanda pode manter contato com os espíritos dos antepassados para descobrir se foram ofendidos por alguém e, em caso afirmativo, como resolver a situação”.
O Kimbanda atua como um médico, utilizando a Umbanda e suas ciências médicas. No Candomblé de tradição banto, também conhecido como Candomblé Angola, Kimbanda refere-se ao rito praticado, com o sacerdote sendo chamado de Táta Kimbanda (Pai de Quimbanda). Este título é igualmente utilizado no culto de Kimbanda para designar o sacerdote.
De acordo com RIBAS, o Kimbanda exerce as funções de adivinho e médico, ambas essenciais para a cura de doenças. Ele menciona outros agentes religiosos angolanos, como muloji (feiticeiro), kilamba (ministro do culto de espíritos ctônicos, conhecidos como yanda) e múkua-mbamba (homem-do-chicote que persegue feiticeiros). O autor afirma que “os dois primeiros agentes, o Kimbanda e o mulôji, se diferenciam em suas práticas e ciências, sendo, respectivamente, umbanda, a arte de curar, e uanga, que se refere a feitiços e malefícios.”
“Os sacerdotes encarregados de invocar os espíritos do passado, que participavam do funeral do rei e da coroação de um novo monarca, assim como dos rituais de iniciação na vida adulta de jovens e moças, eram conhecidos como kimbandas. Esses indivíduos, de ambos os sexos, eram especialmente treinados para desempenhar essas funções e entre eles estavam os ‘artistas’: contadores de histórias, músicos, dançarinos, escultores e pintores de estatuetas e máscaras. Eles chamavam os espíritos benéficos e, evidentemente, possuíam a habilidade de curar doenças e resolver conflitos sociais, frequentemente utilizando a adivinhação para consultar os espíritos. […] Também existiam espíritos malignos, que não eram chamados pelos Kimbandas, mas sim pelos Muloji (feiticeiros ou bruxos), que eram contratados para causar desgraças a alguém.”
O etnólogo Arthur Ramos, em seu livro “O Negro Brasileiro”, esclarece: “O grão-sacerdote é chamado quimbanda (ki-mbanda), atuando como médico, adivinho e feiticeiro. Em Angola, os negros distinguem entre o ‘Kimbanda Kia Dihamba’, o verdadeiro convocador dos espíritos, e o ‘Kimbanda Kia Kusaka’, o feiticeiro que cura doenças. Além disso, em algumas regiões de Angola, há a distinção entre ‘Nganga’ ou ‘Ganga’ (do ‘nganga’, que significa senhor), que seria o cirurgião principal e verdadeiro sacerdote, enquanto o Quimbanda é considerado o curandeiro. No Brasil, o mesmo Embanda (Imbanda) exerce ambas as funções.”
Em Angola, a palavra Imbanda (Embanda) é o plural de Kimbanda. Já ‘Mbanda (Umbanda) refere-se à arte de curar desenvolvida e praticada pelos Imbanda banto de Angola, transmitida por tradição oral de geração em geração com grande cuidado. Essa prática continua a ser realizada em todo o país como parte do sistema religioso tradicional. Muitas gerações angolanas foram salvas de pestes, epidemias, doenças incuráveis, além de problemas espirituais e emocionais, por meio dessa arte milenar de cura. Desde tempos remotos, Angola sempre foi um local de muitas práticas curativas, executadas pelos Imbanda, também conhecidos como Otyimbanda (curandeiros).
Kimbanda também emprega diversos métodos de adivinhação e vaticínio, entre os quais se destacam: o transe, o muxacato, jimbamba (búzios) e ngombo ya cisuka (um tipo de adivinhação), além do trabalho com os Inkice (divindades que se assemelham aos Orixás). Através desses métodos variados, a Kimbanda revela as origens das enfermidades, identificando as causas ambientais, espirituais ou mágicas que as provocam, e oferece orientações com receitas correspondentes, sempre utilizando também a farmácia da natureza. Realiza diagnósticos tradicionais e, no passado, antes da colonização, utilizava, por exemplo, o cordão umbilical para tratar doenças infantis. A zooterapia foi amplamente aplicada para tratar distúrbios mentais. A massagem tradicional angolana continua a ser muito utilizada pelos Imbanda.
O Jornal de Angola, edição de 24/09/2010 traz uma reportagem sobre o Kimbanda (Sacerdote) Xanene, personagem importante da região de Lobito, uma cidade do Estado de Benguela, Angola:
“Xanene é um kimbanda bastante conhecido na cidade do Lobito pelo tratamento que faz com raízes, pós, fumaças e banhos. A sua acção curativa tem maior incidência nas pessoas com problemas psíquicos. São vários os pacientes que depois de passarem por hospitais, clínicas, centros de medicina natural e ervanárias, o procuram. A maior parte dos doentes que passa pelas suas mãos regista melhorias, por isso vai tratar doentes a todas as regiões do país, inclusive a Luanda. Fruto do seu trabalho, é um dos poucos kimbandas reconhecido pelas autoridades provinciais, podendo tratar os pacientes em sua casa, no bairro do Alto Esperança, na cidade do Lobito, onde tem quartos para internamentos.”28
Na província do Bengo estão situados os dois principais centros de devoções de Angola, onde o sincretismo entre as tradições angolanas e católicas, andam de mãos dadas: Igreja da Santa Ana, em Caxito na capital do Bengo e Senhora da Muxima, no município de Muxima, província do Bengo. Desde o século XVI, nas Igrejas da Santa Ana e da Senhora da Muxima, durante os 365 dias do ano, ora-se com a fé que move montanhas. Pela intercessão dessas duas poderosas “intercessoras divinas”, milagres sem conta, aconteceram no passado e continuam a acontecer na vida dos angolanos. Lamentável a falta de divulgação desses milagres. Os rios Bengo, kwanza, Ndanji, lagoa da Ibendua e outros cursos de água, fazem parte do grande misticismo do Bengo, pela crença popular na kianda (singular de yanda) a divindade feminina da mitologia Banto, que vive nas aguas do planeta. Rituais da Sagrada Tradição angolana, são realizados, desde os tempos mais remotos, nos rios e lagoa aqui mencionados. Artes curativas tradicionais são mais uma evidência do misticismo do Bengo. Umbanda é uma das artes de curar desenvolvida e praticada pelos povos banto, e continuada pelos seus descendentes, os angolanos. A Umbanda é praticada em toda Angola e na diáspora banto, como parte dos sistemas religiosos dos povos banto e angolano.
Ignorantes, falam as piores sandices que se podem imaginar, citando, por exemplo, a chamada “kimbanda malei”, sendo esta oriunda da “má lei” para alguns o termo malê (do yorùbá Ìmàlè), que designa o seguidor da religião islâmica, dizendo que a Kimbanda seria a reunião das práticas dos feiticeiros muçulmanos. Um “autor” de historinhas “para boi dormir”, escreveu o seguinte absurdo:
“Malei é uma palavra que realmente deriva do povo Malê – portanto encontramos uma forte presença de magia árabe/sufi e Marabô realmente é o chefe dessa linha, por causa de sua conexão com os feiticeiros muçulmanos do norte da África Ocidental, chamados de Marabos [Marabouts]”.
É difícil de entendermos como alguém pode se dizer kimbandeiro e escrever isso, que não possui nenhuma base. Vamos esclarecer, então:
Malei vem do Orixá Mallet que Zélio Fernandino de Moraes, o precursor da Umbanda, incorporava. Zélio dizia que o Orixá Mallet era um “tipo de Ogum” e que o protegia; Malê não era um povo, mas era como os yorùbá (grupo etnolinguístico que está distribuído em vários países da África Ocidental) não muçulmanos chamavam os negros muçulmanos, conforme citei anteriormente. A palavra yorùbá que dá origem ao termo é Ìmàlè;
O Exu Marabô, ao qual o “autor” se refere, cujo nome não tem nenhuma ligação com o termo Marabout, pois este é o professor de Alcorão, conselheiro político e religioso; alguns Marabout praticam a medicina tradicional africana, sendo que na linguagem berbere é sinônimo de santo, enquanto que o nome Marabô, dado ao Exu (Orixá), vem da seguinte cantiga, feita em língua Yorùbá (portanto não tem nada a ver com a língua Kimbundu):
“A jí kí Barabo ẹ mo jùbá, àwa kò ṣé
A jí ki Barabo e mo jùbá,
e ọmọdé kọ èkọ́ kí Barabo ẹ mo juba
Ẹlẹ́gbára Èṣù l’ọ̀nà”
Tradução:
Acordamos e cumprimentamos (saudamos) Barabo,
que vós não nos façais mal
Acordamos e cumprimentamos (saudamos) Barabo,
A criança aprende na escola que deve saudar Barabo,
Senhor da Força, Èṣù dos caminhos.
Portanto, vê-se, claramente que Barabo é um Oriki, uma louvação, a Èṣù, que pelo uso lingüístico acabou se tornando Marabô.
As práticas dos Imbanda (plural de Kimbanda), sejam elas baseadas em crenças ou não, são artes que realmente existem, e as terapias tradicionais sempre obtiveram resultados positivos. Mesmo sem o respaldo da ciência moderna ou da medicina ocidental, os Kimbanda (Imbanda) prestam um serviço valioso à comunidade, sendo capazes de diagnosticar, prevenir, tratar e curar doenças, sejam elas hereditárias ou não. Com seu conhecimento e experiência em terapias adquiridas através da compreensão da natureza e dos recursos naturais – agrícolas, florestais, hídricos e minerais – os Kimbanda garantiram, no passado, a saúde pública em Angola. Atualmente, apesar de continuarem com suas práticas de medicina tradicional, são mais procurados por suas habilidades como xamãs.
Desde tempos antigos, Angola sempre foi um berço de artes curativas praticadas pelos imbanda. Homens e mulheres, verdadeiros artesãos da cura, foram abençoados por Nzambi (Deus) com o dom de curar, possuindo amplo conhecimento e experiência em terapias sobrenaturais e naturais. Os renomados mestres Kimbanda da região dos Ambundu, oriundos da província do Bengo, especialmente do Dande, garantiram a saúde pública entre as tribos de Angola por séculos, sem depender de fundos internacionais ou apoio governamental e/ou da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Para preservar e promover esse grande dom de cura, concedido por Nzambi (Deus) aos angolanos, está sendo organizada, na diáspora, a revista M’banda, voltada à medicina natural angolana, onde as terapias são estruturadas a partir de recursos naturais, agrícolas, florestais, marinhos, hídricos e minerais do país. No passado, famílias portuguesas recorriam a essa arte para solucionar problemas que a medicina convencional não conseguia resolver. A terapia tradicional angolana compreende duas partes distintas: a parte sobrenatural e a parte farmacológica.
O Kimbanda, aquele que é capacitado a oferecer cura física e espiritual, sempre trabalhou para restaurar a ordem moral da comunidade em que estava inserido. O universo moral banto, proporcionado pelas artes do Kimbanda, funcionou como um escudo psicológico, conferindo à população um grande nível de autoconfiança e permitindo que enfrentassem a dominação e exploração da colonização portuguesa. Essa força era o que lhes dava ânimo para continuar a sobreviver.
Durante a intensa guerra civil em Angola, que ocorreu após a independência do país, os Imbanda desempenharam um papel crucial, oferecendo apoio psicológico às vítimas do conflito, como sobreviventes de estupros, soldados em crise, órfãos e viúvas. Como pode uma arte tão bela e magnífica ser rotulada, em nossa nação, como algo maligno, demoníaco e ignorante? Por favor, poupem-me!
A distinção frequentemente feita entre Umbanda e Quimbanda, infelizmente, é resultado do projeto de embranquecimento da Umbanda iniciado na década de 1940, reflexo do racismo e do eurocentrismo que predominavam na classe média daquela época.
Texto: Babá Mario Filho (awo Oníwindé Ifágbèmí Ifáṣọlá Ifárinú)
Dirigente do Templo Espiritual Pantera Negra
pesquisador, possuindo Mestrado em Ciência da Religião (PUC/2012) e Mestrado e Doutor em Ciências Policiais (CAES/2013 e 2018), além de ter especialização Lato Sensu em Ciência da Religião (PUC/2010), Políticas de Gestão em Segurança Pública (PUC/2009) e História da África e do Negro no Brasil (UCAM/2013), tendo longa história com a tradição religiosa ocidental e africana.